Café Filológico: Márcia Rumeu

Na quarta-feira, dia 10 de julho de 2019, às 10h, tomamos um café com a querida professora Márcia Rumeu (FALE/UFMG) e conversamos sobre o trabalho filológico de edição de textos conservados em acervos mineiros.

Para que todos pudessem conhecer um pouco mais sobre a nossa convidada, Márcia nos concedeu uma entrevista e respondeu a 8 perguntas. A seguir, apresentamos as perguntas e as respostas.

1) Como surgiu o interesse por sua área de pesquisa? 

O meu interesse por trabalhar com a edição de textos antigos para a análise de fenômenos morfossintáticos do português foi motivado pela experiência acumulada nos períodos em que fui bolsista de iniciação científica sob as orientações dos Professores Dinah Callou, Célia Lopes e Afranio Barbosa, na Faculdade de Letras da UFRJ.

2) Conte um pouco sobre o processo de conhecimento e ida aos acervos onde vem desenvolvendo seus trabalhos de pesquisa.

O primeiro acervo visitado por mim em Belo Horizonte foi o Acervo dos Escritores Mineiros (AEM), localizado no campus da Universidade Federal de Minas Gerais. Idas constates ao AEM me foram uma grata surpresa, uma vez que se trata de um ambiente agradável e profícuo às pesquisas linguísticas e literárias. Na sequência, fui apresentada ao igualmente precioso acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IGHMG) para o qual fui conduzida através de um convite de uma colega de trabalho na UFMG, a Prof.a Maria Cândida Seabra. Nesse acervo, tive acesso não só às atas inaugurativas do IHGMG (1907), mas também às cartas pessoais novecentistas produzidas por ilustres punhos mineiros. Ao ter acesso ao Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) e ao Museu Abílio Barreto (MAB), relevantes acervos para os estudos históricos, linguísticos e sociais do Brasil, pude também ampliar as amostras de cartas pessoais mineiras oitocentistas e novecentistas.

3) Que tipo de documento pode ser encontrado nesses acervos? Quais foram os documentos selecionados para a sua pesquisa?

Nos acervos mineiros que tenho frequentado (AEM, APCBH, IHGMG, MAB), é possível levantarmos documentos da administração pública, da administração privada e pessoais, nos termos de Barbosa, em sua tese de doutorado (1999). Considerando o meu interesse pela questão da reorganização do sistema pronominal com o foco especificamente direcionado para a dinâmica da variação tu/você, voltei-me para as cartas pessoais na expressão dos seus subgêneros: cartas de amor, de amizade e familiares. Essa opção pela carta pessoal está motivada pelo fato de a intimidade desse tipo de correspondência evidenciá-la como um contexto promissor à referência ao interlocutor de uma forma muito mais relaxada em relação aos preceitos da norma-padrão, tendendo a expor, pois, aspectos da norma de uso do português.

4) Quais as principais dificuldades que você e seu grupo de pesquisa encontraram para desenvolver o trabalho?

De um modo geral, não encontramos empecilhos relacionados ao acesso aos documentos manuscritos. As dificuldades encontradas estão voltadas especificamente para a decifração do código escrito em suas versões manuscritas por distintos punhos brasileiros. Por outro lado, a leitura de manuscritos históricos mostra-se como uma tarefa incrivelmente sedutora justamente pelo trabalho incansável de decifração do código escrito em sincronias passadas.

5) Qual é a natureza da edição que vocês costumam elaborar no projeto com os documentos encontrados nos acervos mineiros? Por que escolhem esse tipo de edição? 

A natureza da edição com que trabalhamos é a fac-similar e diplomática, tendo sempre em vista os interesses do linguista-pesquisador que se volta aos fenômenos de variação e mudança do português em sincronias passadas.

6) O contato e a escolha do documento já são direcionados pela busca de algum fenômeno linguístico específico ou os fenômenos afloram do próprio texto?

Acredito que os fenômenos linguísticos levantados e descritos analiticamente encontram a sua motivação na natureza da amostra, ou seja, é importante que aflorem do texto. Com base nessa ideia é que posso justificar o uso de cartas pessoais, por exemplo, para o trabalho com fatos linguísticos voltados para a reorganização do sistema pronominal do português brasileiro em relação especificamente à referência à 2a pessoa do singular (2SG) tais como a dinâmica variável tu/você, as construções imperativas de 2SG (fala (tu), fale (você), fala você), a variação teu/seu. Como as cartas pessoais oferecem subsídios para a interação linguística entre remetente e destinatário, temos em cena uma excelente fonte para a discussão de aspectos da norma de uso do português voltados não só para a referência ao interlocutor, mas também para a análise de diversificados aspectos morfossintáticos tais como a ordem dos clíticos, as estruturas de futuridade, a ordem do adjetivo no interior do sintagma nominal etc.

7) A edição de textos é importante porque…

contribui para a descrição e análise de aspectos da história linguística e social de uma dada língua humana em sincronias passadas, representando, pois, um encaminhamento necessário à preservação cultural.

8 ) Ser filólogo é …

preocupar-se com a incansável e prazerosa tarefa de decifração e interpretação do código escrito de sincronias passadas.

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